PERFIL LIPÍDICO E RISCO CARDIOVASCULAR NO PACIENTE DIABÉTICO

PERFIL LIPÍDICO E RISCO CARDIOVASCULAR NO PACIENTE DIABÉTICO

O diabetes mellitus representa um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, sendo a dislipidemia diabética uma alteração metabólica frequente que amplifica significativamente este risco. Este artigo revisa as características do perfil lipídico no paciente diabético, seus mecanismos fisiopatológicos e as implicações para o risco cardiovascular, além de discutir as estratégias terapêuticas atuais baseadas nas evidências mais recentes.

As doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morbimortalidade em pacientes com diabetes mellitus, representando aproximadamente 80% dos óbitos nesta população. A dislipidemia diabética, caracterizada por um padrão específico de alterações lipídicas, está presente em 30% a 60% dos pacientes com diabetes tipo 2 e contribui significativamente para o desenvolvimento acelerado de aterosclerose. A compreensão das particularidades do perfil lipídico no contexto do diabetes é fundamental para o adequado manejo clínico e redução do risco cardiovascular residual.

O padrão lipídico característico do diabetes tipo 2 consiste em uma tríade de alterações conhecida como dislipidemia aterogênica: aumento dos triglicerídeos plasmáticos, redução do colesterol HDL e presença de partículas de LDL pequenas e densas. Estudos epidemiológicos demonstram que aproximadamente 50% dos pacientes diabéticos apresentam triglicerídeos superiores a 150 mg/dL, enquanto 25% apresentam valores acima de 200 mg/dL. A prevalência de HDL-colesterol baixo, definido como inferior a 40 mg/dL em homens e 50 mg/dL em mulheres, ultrapassa 20% nesta população, representando aproximadamente o dobro da frequência observada em indivíduos não diabéticos.

Diferentemente do que se observa na população geral, os níveis de colesterol total e LDL-colesterol em pacientes diabéticos frequentemente não se encontram significativamente elevados em valores absolutos. Entretanto, há alterações qualitativas importantes nas lipoproteínas, particularmente o predomínio de partículas de LDL pequenas e densas, conhecidas como padrão B, que apresentam maior potencial aterogênico devido à sua capacidade aumentada de penetração na parede arterial e maior susceptibilidade à oxidação.

A resistência insulínica, característica central do diabetes tipo 2, desempenha papel fundamental na gênese das alterações lipídicas. O estado de resistência à insulina no tecido adiposo resulta em lipólise aumentada e maior afluxo de ácidos graxos livres ao fígado, estimulando a produção hepática de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) ricas em triglicerídeos. Paralelamente, a atividade da lipase lipoproteica encontra-se reduzida no diabetes, comprometendo o clearance periférico das partículas ricas em triglicerídeos.

A proteína de transferência de ésteres de colesterol (CETP) tem sua atividade aumentada no contexto da hipertrigliceridemia diabética, promovendo o intercâmbio de ésteres de colesterol das HDL para as lipoproteínas ricas em apolipoproteína B (VLDL e LDL) e de triglicerídeos das VLDL para as HDL e LDL. Este processo resulta em partículas de HDL enriquecidas em triglicerídeos, que se tornam substrato para a lipase hepática, gerando partículas de HDL pequenas e com menor conteúdo de colesterol. Adicionalmente, a hidrólise dos triglicerídeos contidos nas HDL induz a dissociação da apolipoproteína AI, principal proteína estrutural das HDL, favorecendo seu catabolismo renal e explicando as concentrações reduzidas de HDL-colesterol observadas nos pacientes diabéticos.

A presença de diabetes mellitus tipo 2 equivale, em termos de risco cardiovascular, a um evento coronariano prévio em indivíduos não diabéticos. Estudos prospectivos demonstram que o risco de infarto agudo do miocárdio em diabéticos sem doença cardiovascular prévia é similar ao de não diabéticos com história de infarto prévio. Quando se comparam pacientes com dislipidemia isolada versus pacientes com dislipidemia e diabetes, observa-se que o grupo diabético apresenta quase o dobro do risco cardiovascular em 10 anos, com valores médios de 13,7% versus 7,9%, respectivamente.

A dislipidemia diabética contribui para este risco aumentado através de múltiplos mecanismos. As partículas de LDL pequenas e densas apresentam maior tempo de permanência na circulação, maior facilidade de penetração no espaço subendotelial e maior susceptibilidade à modificação oxidativa, favorecendo a formação e progressão da placa aterosclerótica. A redução do HDL-colesterol compromete o transporte reverso de colesterol e as propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes das HDL. A hipertrigliceridemia, além de marcador de risco, tem sido associada a aterosclerose subclínica e inflamação vascular, mesmo em indivíduos com níveis normais de LDL-colesterol.

O manejo da dislipidemia no paciente diabético deve ser individualizado conforme o risco cardiovascular global. As diretrizes atuais estabelecem metas mais rigorosas para pacientes diabéticos, considerados como de alto ou muito alto risco cardiovascular. Para pacientes diabéticos de muito alto risco, definidos como aqueles com doença cardiovascular estabelecida ou lesão de órgão-alvo, a meta de LDL-colesterol é inferior a 50 mg/dL, com redução de pelo menos 50% em relação ao valor basal. Para pacientes de alto risco, a meta é LDL-colesterol inferior a 70 mg/dL. Quando os triglicerídeos excedem 200 mg/dL, utiliza-se o colesterol não-HDL como meta alternativa, com valores-alvo 30 mg/dL acima das metas de LDL-colesterol.

As estatinas constituem a primeira linha de tratamento farmacológico, com evidências robustas de redução de eventos cardiovasculares em pacientes diabéticos. Metanálises demonstram que, para cada redução de 40 mg/dL no LDL-colesterol com estatinas, há redução de aproximadamente 20% a 25% no risco de eventos cardiovasculares maiores. Estatinas de alta potência, como atorvastatina 40-80 mg ou rosuvastatina 20-40 mg, são frequentemente necessárias para atingir as metas terapêuticas. Quando as metas não são alcançadas com estatina em dose máxima tolerada, a adição de ezetimiba proporciona redução adicional de 15% a 20% no LDL-colesterol, com benefício cardiovascular demonstrado em estudos como o IMPROVE-IT, particularmente em pacientes diabéticos.

Para o manejo da hipertrigliceridemia residual e HDL-colesterol baixo persistentes após otimização do tratamento com estatina, diferentes estratégias podem ser consideradas. Em pacientes com triglicerídeos superiores a 204 mg/dL associados a HDL-colesterol inferior a 34 mg/dL, a combinação de fibrato com estatina pode proporcionar benefício adicional, conforme demonstrado em análises de subgrupos dos estudos FIELD e ACCORD-LIPID. O icosapenta etil, forma purificada de ácido eicosapentaenoico, demonstrou redução significativa de eventos cardiovasculares em pacientes de alto risco com triglicerídeos elevados em uso de estatinas, representando uma opção terapêutica adicional.

Os inibidores de PCSK9, anticorpos monoclonais que reduzem o LDL-colesterol em aproximadamente 60%, representam uma opção para pacientes de muito alto risco que não atingem as metas apesar de terapia máxima com estatina e ezetimiba. Estudos como FOURIER e ODYSSEY demonstraram redução adicional de eventos cardiovasculares com estas medicações, embora considerações de custo-efetividade limitem seu uso mais amplo.

A dislipidemia diabética representa um desafio clínico significativo, caracterizada por alterações quantitativas e qualitativas das lipoproteínas que amplificam substancialmente o risco cardiovascular. O reconhecimento do padrão lipídico característico do diabetes, com elevação de triglicerídeos, redução de HDL-colesterol e presença de LDL pequenas e densas, é fundamental para o adequado manejo clínico. As evidências atuais suportam uma abordagem intensiva do controle lipídico em pacientes diabéticos, com metas terapêuticas rigorosas e uso de terapias combinadas quando necessário. O tratamento deve ser individualizado, considerando o risco cardiovascular global, com as estatinas como base terapêutica e adição sequencial de outros agentes hipolipemiantes conforme necessário para atingir as metas e reduzir o risco cardiovascular residual.

 

Referências

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