TROPONINA I X TROPONINA T: DIFERENÇAS E APLICAÇÕES CLÍNICAS

TROPONINA I X TROPONINA T: DIFERENÇAS E APLICAÇÕES CLÍNICAS

A troponina cardíaca conquistou lugar central na prática clínica desde que ensaios de alta sensibilidade (hs-cTn) permitiram detectar lesão miocárdica em concentrações de poucas partes por trilhão. Contudo, dois analitos, troponina I (cTnI) e troponina T (cTnT), coexistem em rotina laboratorial, e conhecer as sutis diferenças entre eles é crucial para quem decide à beira-leito e para quem garante a qualidade analítica no laboratório.

Do ponto de vista biológico, ambas pertencem ao complexo regulador da actina, mas divergem na sequência aminoacídica: cTnI atua como inibidora da actomiosina, enquanto cTnT ancora o complexo à tropomiosina. Essa diferença estrutural explica parte da cinética após necrose: cTnI atinge o plasma alguns minutos antes da cTnT, alcançando picos em menos de três horas; já a fração T apresenta ascensão um pouco mais tardia, mas permanece detectável por mais de dez dias, o que prolonga a “janela” prognóstica. Como a depuração renal contribui mais para a remoção de cTnT, pacientes com doença renal crônica (DRC) tendem a exibir elevações basais maiores dessa fração; meta-análise recente indica pontos de corte ajustados para DRC (42 ng/L para cTnI e 48 ng/L para cTnT) e valores ainda maiores em pacientes dialíticos.

As discrepâncias vão além da fisiologia. O mercado dispõe de mais de 10 plataformas comerciais de hs-cTnI, o que oferece flexibilidade de compra, porém aumenta a variabilidade inter-ensaio e exige harmonização, diferentemente da hs-cTnT. Outra distinção pouco lembrada é o ritmo circadiano: estudo em voluntários demonstrou queda média de 24 % da cTnT ao longo do dia, com pico matinal e vale noturno, enquanto a cTnI varia de forma aleatória. Essa oscilação modula a interpretação de deltas pequenos em monitorizações seriadas.

Na parte clínica, comparações diretas reforçam que a escolha do analito pode mudar o tempo de decisão. Em coorte multicêntrica de 2.226 pacientes com dor torácica de menos de três horas, a hs-cTnI apresentou AUC 0,92 contra 0,89 da hs-cTnT para diagnosticar infarto, acelerando a exclusão de IAM nos chamados “early presenters”. Por outro lado, a estratégia 0 h/1 h da ESC, validada recentemente no estudo multinacional IN-HOPE, classificou cerca de 80 % dos casos em até uma hora utilizando hs-cTnT, com valor preditivo negativo ≥ 99 %; as novas Diretrizes ESC 2023 e as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) 2021 já recomendam algoritmos semelhantes, sempre que ensaios de alta sensibilidade estejam disponíveis.

Para acompanhamento crônico ou estratificação ambulatorial, meta-análise envolvendo 277.498 adultos demonstrou que ambas as frações predizem insuficiência cardíaca, infarto e morte cardiovascular de forma semelhante; a cTnT mostrou leve vantagem para mortalidade por todas as causas. Na DRC, entretanto, a especificidade cardiovascular da cTnT cai substancialmente, favorecendo a escolha da cTnI em pacientes com filtração glomerular < 30 mL/min.

Em síntese, quando a sensibilidade ultra-precoce é crucial, o hs-cTnI oferece a detecção mais rápida da necrose e menor interferência renal. Nos cenários onde a tecnologia de alta sensibilidade ainda não está implementada, o cTnI convencional permanece um marcador sólido, mas requer coletas seriadas e janelas de observação mais longas para garantir acurácia. Já o cTnT convencional, tal como seu derivado hs-cTnT, destaca-se pela padronização interlaboratorial e pela detecção prolongada (até 10 dias), fornecendo valor prognóstico estendido após o evento agudo. Assim, optar entre hs-cTnI, cTnI ou cTnT deve levar em conta a janela temporal do sintoma, o perfil de risco do paciente, a infraestrutura analítica disponível e as metas de custo-efetividade da instituição. Dominar essas nuances, e não simplesmente “pedir troponina”, é o que transforma um resultado laboratorial em decisão clínica que salva vidas.

 

Referências

COLLET, J.-P. et al. 2023 ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes. European Heart Journal, Oxford, v. 44, n. 38, p. 3720-3826, 12 out. 2023. DOI: 10.1093/eurheartj/ehad191.

NICOLAU, J. C. et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, São Paulo, v. 117, n. 1, p. 181-264, 2021.

GIMENEZ, M. R. et al. Direct comparison of high-sensitivity cardiac troponin I vs. T for the early diagnosis of acute myocardial infarction. European Heart Journal, Oxford, v. 35, n. 34, p. 2303-2311, 7 set. 2014. DOI: 10.1093/eurheartj/ehu188.

VAN DOORN, W. P. T. M. et al. Clinical laboratory practice recommendations for high-sensitivity cardiac troponin testing. Journal of Laboratory and Precision Medicine, [S.l.], v. 3, e4304, 3 abr. 2018. DOI: 10.21037/jlpm.2018.03.09.

KLINKENBERG, L. J. J. et al. Circulating cardiac troponin T exhibits a diurnal rhythm. Journal of the American College of Cardiology, Philadelphia, v. 63, n. 17, p. 1788-1795, 6 maio 2014. DOI: 10.1016/j.jacc.2014.01.040.

KAMPMANN, J. et al. Troponin cut-offs for acute myocardial infarction in patients with impaired renal function: a systematic review and meta-analysis. Diagnostics, Basel, v. 12, n. 2, p. 276, 21 jan. 2022. DOI: 10.3390/diagnostics12020276.

DE BARROS E SILVA, P. G. M. et al. Potential performance of a 0 h/1 h algorithm and a single cut-off measure of high-sensitivity troponin T in a diverse population: main results of the IN-HOPE study. European Heart Journal – Acute Cardiovascular Care, Oxford, v. 12, n. 11, p. 755-764, 16 nov. 2023.

PARASHAR, Y.; AWWAD, A.; BAGCHI, S. et al. Cardiac troponin I and T measured by high-sensitivity assays are detectable in most ambulatory adults: meta-analysis and systematic review. Clinical Chemistry, Washington, v. 71, n. 6, p. 664-676, jun. 2025. DOI: 10.1093/clinchem/hvaf023.

 

Rua Coronel Gomes Machado, 358
Centro - Niterói - RJ
Brasil - CEP: 24020-112

+55 21 3907-2534
0800 015 1414

Rua Cristóvão Sardinha, 110
Jardim Bom Retiro - São Gonçalo - RJ
Brasil - CEP: 24722-414

+55 21 2623-1367
0800 015 1414
Grupo Biosys Kovalent | 2025

Desenvolvidopela Asterisco

Para o topo