HOMOCISTEÍNA COMO FATOR DE RISCO CARDIOVASCULAR

HOMOCISTEÍNA COMO FATOR DE RISCO CARDIOVASCULAR

As doenças cardiovasculares representam a principal causa de morbimortalidade mundial, responsáveis por aproximadamente 17,9 milhões de óbitos anuais segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A identificação e compreensão dos fatores de risco modificáveis e não modificáveis tem sido fundamental para o desenvolvimento de estratégias preventivas eficazes. Enquanto fatores tradicionais como hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes mellitus e tabagismo são bem estabelecidos, a investigação de novos biomarcadores tem revelado a importância de outros componentes na patogênese cardiovascular.

A homocisteína, um aminoácido sulfurado de 4 carbonos derivado do metabolismo da metionina, foi inicialmente associada às doenças cardiovasculares na década de 1960, quando McCully observou alterações vasculares ateroscleróticas precoces em crianças com homocistinúria, uma doença genética rara caracterizada por deficiência enzimática no metabolismo da homocisteína. Esta observação pioneira levou à hipótese de que mesmo elevações moderadas da homocisteína plasmática poderiam constituir um fator de risco independente para doenças cardiovasculares na população geral.

O metabolismo da homocisteína envolve duas vias principais: a remetilação, que reconverte homocisteína em metionina através da ação da metionina sintase (dependente de vitamina B12 e folato) ou da betaína-homocisteína metiltransferase, e a transsulfuração, que converte homocisteína em cisteína através da cistationina β-sintase (dependente de vitamina B6). Deficiências nutricionais de folato, vitaminas B6 e B12, bem como polimorfismos genéticos nas enzimas envolvidas nessas vias, podem resultar em acúmulo de homocisteína plasmática.

Níveis plasmáticos de homocisteína superiores a 15 μmol/L são geralmente considerados elevados, embora alguns autores utilizem pontos de corte mais baixos (>10-12 μmol/L) para definir hiperhomocisteinemia leve. A prevalência de hiperhomocisteinemia varia significativamente entre populações, sendo influenciada por fatores genéticos, nutricionais, idade, sexo e presença de doenças concomitantes.

A hiperhomocisteinemia promove aterogênese e trombose através de múltiplos mecanismos interrelacionados. A disfunção endotelial representa um dos principais mecanismos, onde a homocisteína reduz a biodisponibilidade do óxido nítrico (NO) através da reação direta com NO, desacoplamento da óxido nítrico sintase endotelial e aumento da expressão da arginase. O estresse oxidativo constitui outro mecanismo fundamental, com a auto-oxidação da homocisteína gerando espécies reativas de oxigênio que promovem oxidação de LDL e dano endotelial direto.

A homocisteína exerce efeitos pró-trombóticos significativos através de alterações na função plaquetária e sistema de coagulação. Estudos demonstram aumento da agregação plaquetária, redução da trombomodulina endotelial e aumento da atividade do fator tecidual. A inflamação vascular crônica é estimulada pela produção de citocinas pró-inflamatórias como IL-6 e TNF-α, que promovem expressão de moléculas de adesão endotelial. Adicionalmente, a homocisteína interfere no metabolismo da matriz extracelular através da inibição da síntese de elastina e alteração do metabolismo do colágeno, contribuindo para instabilidade da placa aterosclerótica.

Quando hiperhomocisteinemia é identificada, o tratamento foca correção de deficiências nutricionais. Suplementação com ácido fólico (0,4-5,0 mg/dia), vitamina B12 (0,4-1,0 mg/dia) e vitamina B6 (10-50 mg/dia) é eficaz na redução dos níveis. A interpretação deve considerar fatores como idade, sexo, função renal, medicamentos e deficiências nutricionais que influenciam a concentração. Em populações específicas, a dosagem pode ter maior utilidade: mulheres jovens com tromboembolismo venoso, pacientes com acidente vascular cerebral criptogênico, e indivíduos com doença renal crônica onde a hiperhomocisteinemia é prevalente e associada a desfechos adversos.

Deste modo, a homocisteína representa biomarcador cardiovascular com bases fisiopatológicas sólidas e evidências epidemiológicas consistentes. Os mecanismos incluem disfunção endotelial, estresse oxidativo, inflamação vascular e alterações na coagulação. A discrepância entre evidências observacionais e experimentais permanece desafiadora, possivelmente refletindo limitações nos desenhos de intervenção ou heterogeneidade na resposta. Na prática clínica, a dosagem rotineira não é recomendada para rastreamento geral, mas pode ter utilidade em situações específicas. A homocisteína permanece componente importante do complexo patofisiológico cardiovascular, justificando sua inclusão na constelação de fatores que contribuem para o risco individual.

 

REFERÊNCIAS

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